Monday, December 15, 2008

A lei

"A lei é um freio e, com um freio, não se pode chegar á liberdade. A lei castra e, com castrados, não podemos aspirar a ser homens. A expropriação faz-se espezinhando a lei, não carregando com ela sob as espáduas"
- Flores Magon

Friday, December 05, 2008

Vivenciando formas de vida

Acordo, acordo mesmo antes do próprio dia começar a fazer contas á vida, se realmente vai nascer aquele dia. Acordo de noite e deito-me de noite. Nesse momento em que o dia ainda pensa na sua vida, numa crise de existência descartiana, caminho, com a brisa gelada a cortar-me a cara. Espero na paragem, espero até não sentir as extremidades das mãos, de não sentir com o frio a cara. Entro, e sentado a cabeça pende-me para o vidro, vou batendo violentamente com a cabeça na realidade exterior, tal é a verdadeira força daquela engrenagem. Lá não faço nada, vou adormecendo estranhamente acordado, observo quem entra, onde se sentam, a que comportamentos é que reagem, leio-lhes a alma, a cara, faço a analise, entretanto perco-os, o seu paradeiro perde-se entre a constante mutação de vidas que se conjugam naquele espaço de 18 metros. Vejo quem entra, entra o mundo, mas não entra ninguém, leio o mundo e não leio ninguém, sentam-se todos ao meu lado, mas ninguém se senta. Todos e ninguém, todos lá estão, mas ninguém é quem quero que lá esteja. Velhos e crianças, doentes e mortos todo no mesmo destino. O cheiro fétido dos corpos, o cheiro que varre o ar do perfume, desse perfurme usado pelas belezas inaproximáveis, tão inantigiveis que são derretidas com um olhar, é assim que são processadas as leis da natureza. Saio, nadando na imensidão de corpos que lutam entre si ao balanço da maré dos motores, dos rotores, das suspensões e dos escapes. Quando saio já o sol bate na copa das árvores, já dobra a cruz no topo da igreja, engraçado como este local aparece de forma tão brutalmente assassinado à minha frente, local de sacrilidade para uns, para mim de sacrilégios, para uns fé, para mim a profetização da desgraça.

Olho à minha volta, as danças harmoniosas dos pombos, dançam a valsa, de Tchaikovsky ou então a polka, é tudo uma questão de perspectiva. Trocam-se olhares, uns casuais, outros nem tanto. Continuo a caminhar, passo por ti, tu de costas olhas para mim, um cigarro numa mão, na outra o aperto imaginário da minha correspondente. És tu a tal, és um sonho, um vulto que se ergeu e se veio encontrar comigo, numa manhã gelada dos primeiros dias de Outubro. Fixas o meu olhar, uns segundos, a eternidade, um momento orgásmico, a promessa de sonhos irrealizáveis contigo ao meu lado, uma vida projectada até desaparecermos da face da terra e vivermos uma vida digna de um filme, só comparável aos contos de fadas, aos melhores, porque até a Cinderela se ia roer de inveja. A promessa de uma vida, em dois segundos, que desapareceu com o meu caminhar até à próxima esquina. Atrevesso até á outra margem, faço as águas do rio pararem com a psicologia básica, não olho para eles, simplesmente agradeço com a mão, esboço um sorriso e salvo percorro as principais manchetes dos jornais diários. Percorro labirinticamente as ruas, com o sol a bater-me na cara, em passo lento, tentando apreciar a beleza grotesca dos prédios cinzentos, mal pintados e com sinais obvios que já assistiram a mais histórias do que áquelas possivelmente suportadas por um livro. Na hora, atrasado, adiantado, chego á nuvem raiada, ao grande palco, onde todos são actores principais das suas vidas e secundários da vida dos outros, onde todos usamos uma máscara para proteger as nossas verdadeiras fragilidades e os nossos segredos mais profundos, aí fingimos e actuamos como brilhantes actores, mereciamos um óscar, pelo papel, pela argumentação criada na hora. Somos entertenimento, somos o entertenimento dos outros e principalmente de nós próprios, somos tudo e somos nada no espectáculo, somos a mentira e a verdade e a aparência e a ilusão. Perecemos todos do sindroma de Estocolmo, apaixonamo-nos pelos nossos raptores diários, que nos tiram a atenção, os olhares, os toques, que nos tiram a vida porque deixamos de conseguir pensar sem pensar neles, o que seriamos nós sem eles. Todos de uma forma damos o nosso espectáculo, para o nosso entretem e deleite dos outros, uns são sucedidos, outros são raptados cobardemente pelo conhecimento dos outros, esses são os actores principais, na sua vida e na dos outros, manipulam, controlam e dominam as vidas, evidenciam-se e destacam-se, deixam de ser marionetas e passam a ser quem comanda os fios. Como conseguem eles isto?, a base é a mesma, o entretenimento, a mentira e a verdade, a falsidade e a força com que alguns encaram a vida. São herois de guerra, que secretamente admiramos, imitamos no nosso intimo e interrogamo-nos como o dia para eles é eterno. Mas no fundo tudo o que somos são caras, nenhum de nós mostra a verdade, porque nenhum consegue suportar uma vida, sem ter que re-criar uma vida paralela, o entertenimento. Para além da mascara, para além da pele, só os ossos da cara, só o que jamais poderemos esconder, poucos terão o privilégio de conhecer a caveira, um grupo restrito e limitado, só os raptores de vidas e sonhos é que o conseguem, esses e uns tantos outros que acabam por estropiar e abalar todo o balanço que o coração nos dá ao bombear a vida. É neste enorme palco, nesta plateia em que nada falta que se desenrola a vida, em que se dizem mentiras e finge-se ser o que não se é, mas enquanto não conseguirmos suportar uma vida como iremos libertarmo-nos, porque quando todos são escravos do guião, todos serão reis, porque a limitação a que estão sujeitos não os deixa ver a realidade. Sobe, desce, as escadas infinitas do pensamento, das emoções pré-progamadas, das expressões que sabes que terás de volta porque tudo não é mais que é uma enorme equação matemática aplicada á vida real, quando a compreenderes, quando a tiveres na cabeça e mal vejas o problema me digas a solução de cabeça, então aí seremos reis, teremos a vida nas nossas mãos e mais ninguém nos impedirá do que seja, portas até aí fechadas irão-se abrir.

Deste palco deixamos lá a pele e quando nos afastamos dos holofotes voltamos mais um pouco para a vida real, para a vida que mais ninguém conhece, aqui poucos são aqueles que conseguem caminhar com um sorriso na cara, interroga-te porquê, interroga-te porque é que os medos inerentes não te assustam, depois sussurra.me a resposta. Caminho, pelo mesmo labirinto por que vim, tateio as paredes, descrevo sonhos e mitos ao meio imaginário, pergunto-me quem irei encontrar na próxima rua, observo tudo e nada vejo, observo pessoas e só fantasmas vejo, caminha, entra na floresta de betão, sobrevive ao rio selvagem de metal e de gritos estridentes a alta velocidade, entra no coro encantado em que um mendigo fez de sua casa, duas mantas protegem-no do mundo, de todos os seus problemas, caminho e paro. Á minha frente umas 20 pessoas, todas elas de olhar frigido no vazio, todas elas esperando o seu destino, de vida, de morte, de incertezas e de felicadades que irão acabar por superar todos os outros momentos. Entramos no autocarro da vida, sem ter a certeza se alguma vez regressaremos, mas lá caminhamos, tentando manter o equilibrio, olhamos para o fundo na pesquisa de alguém, não a encontramos, mas uma rapariga loira de 18 anos também serve. Quem será ela?, sentamo-nos ao lado dela, e o que fazemos? Um silêncio, olhares trocados, tenta-se ignorar a companhia do outro, mas ao mesmo tempo fazemos perceber que estamos lá. Mostro-lhe a palma da mão, digo o meu nome, parece surpreendida, retribui, daí até nos estarmos a despir mentalmente são 3 paragens, daí até vivermos numa praia algures no México é o infinito, ela diz que vai sair, fico com ela, mas na memória, desce do sonho, volta á realidade, continua a sorrir. Daí a 18 minutos sou eu que volto á realidade, ganhei o mundo em forma de uma cabeça amarela, nada perdi. Foi um espectaculo grandioso, no pior dos palcos, com a audiencia de um, com zero actores, fiz a performance do ano.

Desço do autocarro, caminho entre arvores que no inicio de Outuno dão os primeiros sinais de morte, as folhas que piso, o sol alto no céu, tudo á minha volta gira freneticamente, tudo se desfaz em mil desejos de promessas partilhadas e desfeitas de uma sociedade vencida pela inércia, em que todos são escravos e logo todos são reis. Eu, pelo contrário nunca sonhei em ser rei, porque nunca gostei de vassalagem, nunca sonhei em ter riquezas ou atenções, vivo a minha vida, caminho com as mãos nos bolsos e sinto-me um principe.