Wednesday, October 27, 2010

Donum Ira

Há um determinado sentido de controlo quando nos encontramos fechados dentro da nossa cabeça, trancados nos nossos pensamentos, que deambulam pela mente como fumo de cigarro pelo ar numa noite fria de inícios de primavera. Hemmingway escreveu que um escritor não se senta à frente de uma máquina e escreve, um escritor pega numa caneta e sangra. Um pensador nem sequer produz algo, apenas sangra até ficar seco como um cadáver sentado na sua poltrona enquanto devora whisky e fuma cachimbo. Curiosamente há mais vida nisso, do que propriamente em andar tão inseguramente pela vida que se bate com a cabeça nas paredes e se continua a caminhar até um deles ceder primeiro.

Quando escrevo há sempre uma certa luxuria envolvida, algum objecto de fascínio e é fácil criar um, contudo não o considero suficiente, porque a minha escrita é um tanto sombria para se dar ao prazer de apenas ser rodeada por um objecto, por um único actor principal. A minha escrita é como uma mulher nua deitada em cima de uma cama de lençóis brancos, que lhe tocam levemente nas pernas, com os lábios carregados de um batôm vermelho e com o cabelo a esvoaçar pela entrada de ar de uma noite amena. É o olhar que penetra na alma como veneno, são os redondos seios que por si só são um facto de admiração, é todo o corpo que parece ter sido moldado perfeitamente como a magistratura principal do quadro, de fundo escuro e apenas um holofote sobre essa deusa. Estilo Caravagio. Negra e profundo, poderosa e acolhedor. É uma serpente que me deixa viciado no perfume do seu veneno.

Numa simples frase descrevo a minha escrita, o meu ser, o meu pensamento. Nos anos 60 Malcolm X disse que a raiva era uma dádiva. Tal como é a raiva é a dor, porque uma não coexiste sem a outra. A dor é uma dádiva. Pode-nos destruir, mas deixemos que ela cresça dentro de nós, canalizando-a e deixando-a crescer e verão que algo de verdadeiramente poderoso acontece. É um veneno, é uma mulher negra de lábios pintados de vermelho numa noite de sonhos...

Sunday, October 17, 2010

P. Vo.1

A profunda dor no peito que se sente
Sempre que nos sentimos sós,
Oh, que tormento, que desavença do espirito
Que não me deixa sonhar hoje

A solidão, que marca o tic tac do cúcu
O esvoaçar que nos indica
Q' a mais nobre das almas
Voará para sempre, e não regressará

Mas isto é viver
Chorar, rir, sentir, respirar e morrer
Não há que temer a solidão, pois...
Só lá os lobos que alimentamos nascem

Saturday, October 09, 2010

A dor é um prazer

A dor. O que é? Falando em termos científicos é uma reacção química do cérebro, mas honestamente desde quando é que alguém quer saber do cientifico? Dor & Prazer andam mutuamente de mãos dadas, como dois meninos homossexuais, sem os quais não poderíamos passar. Lógico, que quem ler isto vai dizer que odeia a dor, mas a verdade é que quando não a têm vão procura-la, eu sou o clássico exemplo disso mesmo. Nada, mas nada neste mundo me pode causar tamanha dor como aquela de que quando escrevo, e mesmo assim todos os dias pego numa caneta e num papel e escrevo. Cada vez que começo a escrever sou Miguel Ângelo a pintar a cúpula da capela sistina, quase um deus. Mas só aqueles que escrevem através da dor é que irão perceber o que eu digo, não há nada pior do que abrir a tampa de uma caneta, folhear o bloco até uma página em branco e não vir nada à cabeça. Nada. Vazio total e completo. Sentimo-nos estúpidos, tão estúpidos como os cães que cheiram o rabo uns aos outros, cada vez que tento escrever e não sou capaz de escrever cinco linhas com o mínimo de sentido sou um cão a cheirar o rabo a outro.

Há quem escreva por alegria, simplesmente não sou capaz... As mulheres são escritoras fantásticas comparadas a qualquer ser que tenha um apêndice proeminente no meio das pernas. É algo que não consigo perceber, mas escrevem com uma facilidade incrível, elas não precisam de todos os dias escrever alguma coisa e eu preciso, nem que seja um post-it no frigorífico a dizer "Mãe não venho jantar". Podem passar meses sem escrever, mas quando o fazem imprimem-lhe uma poetização e uma beleza, que para eu o conseguir tenho suar das palmas das mãos e tomar dois Xanax's para me acalmar, ou então só irei conseguir dormir daí a duas semanas.

Eu sei que escrevo bem, mas não é um dom, para quem me conhece basta olhar para o meu dedo médio da mão direita e vão perceber o porquê de eu ser um Miguel Ângelo a pintar o Vaticano de mulheres nuas enquanto escrevo.