Thursday, March 28, 2013

Desfragmentação do Amor


O que é viver?
Quando fomos ensinados a viver? O que é viver senão a procura incessante de saber o que é amar?

Mas de novo, onde é que fomos ensinados a amar? Perguntas formuladas pelo advento da humanidade e para as quais ainda hoje não conseguimos alcançar uma resposta satisfatória. Mas amar, amar tem outro sentido quando sabemos que somos amados e que amamos. O que é nascer? Como é que fomos programados para saber aquilo que é nascer, se nem sabemos aquilo que é viver. Talvez seja amar... Amar profundamente, uma bela mulher, amar é ter a esperança de ver o raiar da aurora por mais uma manhã, no sorriso dela, nos olhos que em si têm todo o universo, no cheiro do pescoço dela em longa noites de paixão. Todas as galáxias e vias-lácteas...

Na compreensão extra-sensorial que somos todos um, a parte mais elementar do universo não é mais do que um turbilhão de esperanças e memórias perpetuadas pelo infinito desejo. Alguma vez fomos ensinados a desejar, a querer percorrer tanto a pele de um corpo, como se a nossa própria vida dependesse disso, ou a sentir a leve fragrância de perfume  de mulher a encher o espaço entre nós e ela, na face daquilo que amamos.

E em nós temos toda essa capacidade de amar, de sentir e de viver. Mas será viver mais do que amar? Na esperança de que um dia não iremos morrer, que não vejamos tudo a degradar-se lentamente perante o nosso olhar perdido. Tal como a natureza sempre o faz, o ciclo rítmico da vida. Amar é como viver, senão for viver. Tudo está num estado de permanente fluxo, de permanente nascimento e morte, de crescimento e de decrepitação. Qual é o sentido de tudo isso?

A resposta em si, mais uma vez, provêm de uma base de pouco valor, porque amar não é procurar respostas, mas sim a intriga de não saber, do grande e enorme desconhecido que está aí ao virar da esquina. Tal como as flores na beleza da primavera abrem e meses seguintes morrem, também o amor é fruto desta natureza cruel e quase trágica, senão fosse uma necessidade ulterior da nossa existência.


Um dia ataca-nos com a força da chuva fria, implacável e expectante... E só nos resta correr, correr até os pulmões doerem, e talvez sobre uma ponta cruzada sobre o Sena, corrermos atrás da nossa amante parisiense, nada mais do que o amor, a nossa própria razão de viver, de acordar e sorrir, do brilho e entusiasmo que temos na vida. E quando a alcançamos os lábios encostam-se, as mãos apertam o corpo do outro e os braços envolvem todo o universo, tudo aquilo palpável e real. E aí, nesse mesmo instante que o sorriso se acaba de formar nos nossos lábios vemos que corríamos atrás de nós próprios e estamos agora sozinhos à chuva numa ponte parisiense.

Tal como a própria flor, também o amor morre e nós com ele. Mas por pouco tempo... Porque o universo, o nosso universo nos diz que se o mundo é uma projecção daquilo que somos, e pensamos, então todo o amor do mundo está dentro de nós, e o que são então os outros?

Os outros eu não sei... mas sei que se o mundo é uma projecção daquilo que sou, então o meu mundo é um Jardim do Éden, intocado, tão fresco como os próprios cabelos de uma mulher que lhe descem pelas costas e iluminam as margens, como um rio dá vida a todo um sistema... de constante fluxo e mudança e nessa frenética aventura, há tudo aquilo que a vida deve ser. Desprovida de significado, apenas feita para viver e em breve.... Mas fruto de Amor, porque essa é a fonte damos uns aos outros. É tudo aquilo que queremos receber, e quem não o recebe vive o perigo de tornar-se numa besta de presas afiadas e sedenta por sangue.

Mas não é isso que nós somos... A cadência fluente das teclas de um piano, os riscos no ar das cordas de um violino, num quarto despido, de paredes brancas e a cheirar a mofo descobrimos quem somos. Seremos mais do que nossa capacidade de amar, de perdoar e de não saber? Eu sou um escritor, um poeta, um viajante do tempo que se ilumina pelo sol que nasce no peito e por cima das colinas mais perfeitas do universo que me ilumina, e me faz sorrir e viver.

E nessa tentativa falhada de fazer da vida, do amor e da degustação de prazeres, uma nobre arte... apenas sorrio, numa nuvem que se ergue no céu e é tão clara para o melro, de corpo negro e bico amarelo, como para as rochas do oceano ou para as folhas das árvores.Não temas porque não estás sozinho, tal como uma onda não está separada de todo o oceano, tu também não estás separado do que é amar, viver e em dias amargurados de sonhar.

Resta-te amar como se nunca tivesses amado, de viver como se fosse o primeiro dia em que abris-te os olhos, de repetir e repetir até tornares a tua vida, o teu amor, a tua incompreensão e fascínio pelo desconhecido a tua obra de arte, a tua tela, em que pintas nua, uma bela mulher, com longos cabelos escuros e nos olhos dela, vês-te a ti numa viagem que irá durar para a eternidade. Nos olhos dela estás tu, multiplicado pelo amor que só uma bela mulher te pode dar.
~João Fernandes