Thursday, October 22, 2009

Perante o medo, avanças

No precipicio. O vento corta-te o cabelo, comprido, esvoaça como um pássaro selvagem. Dás só mais um pequeno passo em frente, a ponta dos teus dedos, nús e descalços, deixou de sentir o chão por baixo de si. No fio da navalha, um só passo e pode ser o fim. Os olhos estão fechados, as longas pestanas negras fecham-se não deixando adivinhar a magnífica tela que foi pintada sobre o teu corpo. O outro pé dá o passo correspondente, não se pensa, vive-se. Mas, vive-se verdadeiramente, como se hoje fizesses do medo o teu melhor amigo, não um qualquer viver desconhecido da tua realidade, sonâmbulo, tristonho. Há quem diga que o único sentimento em que não se deve confiar é o medo, mas eu sei, que tu, tu não afastas aquilo que é teu, tu conquistas. Se tens medo, esse medo é teu, conquista-lo é apenas parte do processo. Tu fazes-te amiga deles, porque eles só vivem se tu quiseres, mas... tu sem eles não vives, são parte de ti.

Tu sentes o medo de estar à margem de um precipício mais alto que os mais altos abetos da floresta que se estende por baixo do nada. Há um pássaro negro que plana à tua frente, tão pequeno que cabe na palma de uma mão, olha-te de frente, é belo, é a representação da beleza no seu estado mais natural e mais primitivo. Ela chama por ti, sim é por ti que ele chama. Aaah que queres tu pássaro negro, que procuras tu? Responde ele: "- Nada mais que a verdade, que a real evolução e continuo processo de magnitude a que estás destinada, vê os teus cabelos, eles são negros tal como as minhas penas. Eu sou o incansável, eu sou tu. Eu quero-te, mas para te ter, tu tens que voar".

Há quem diga que o facto de termos vertigens não se prende a qualquer teoria biológica que associa o medo de perder o equilíbrio, eu não concordo e tu também não. Nós temos vertigens, porque nos conhecemos. Abrimos os olhos e o única coisa que nos separa do desafio são centímetros de terra. Nunca pensas-te em dar um passo em frente? Em sentir a total libertação do espírito? Já, e eu também, conhecemo-nos, sabemos qual é o nosso limite, o nosso precipício, mas deixamo-nos guiar pela beleza inatingível que temos mesmo à nossa frente. (Tu tens vertigens, porque tens medo que a tua mente te diga para saltar, tu não te conheces.)

Estanca-te no precipício, com metade dos pés suspenso abres os olhos e inclinas-te só um pouco, puxa o teu limite, puxa-lo só mais um pouco. Quando te inclinares e saltares, descobrirás que não caíste em pedras afiadas ou em agulhas verdes de pinheiros, apenas conquistas-te mais uns centímetros ao precipício, de novo estás com a ponta dos pés no ar, estás de olhos fechados e o coração bate como o meu, eu que pairo à tua frente. Eu. Eu que sou o teu medo, tudo aquilo que tens que conquistar. Eu sou o teu mais importante aliado.