Thursday, May 26, 2011

Portas fechadas

Por momentos gritantes de amargura pensei que não estivesse a sonhar, felizmente estava... Continuavas a descansar a meu lado, de costas viradas e eu não te conseguia abraçar, moralmente sentia que não podia. Ali estava e apenas queria fumar um cigarro, para ver se acalmava o pesadelo de estar acordado. Abri a porta vidrada que dava para a varanda, sentei-me numa das duas velhas cadeiras de baloiço e acendi o cigarro. Como podia eu ter conseguido fazer-te o que fiz, como deixei que a minha vida fosse consumida como a cinza deste cigarro? Procurava a resposta com a cabeça mergulhada nas duas mãos, com a ponta do cigarro a queimar... pendente na minha boca. Sabia que a culpa não era minha, mas fui eu quem te deixou estar como estás. Tu mereces melhor... Sentia-me anedótico em todo o sofrimento que sentia, queria dormir, voltar a sonhar. O problema era o terror de voltar a acordar e ter que te enfrentar pela manhã, sorridente, bela como só tu o sabes ser e disposta a lavares-me de novo a alma na tua paixão. E é isso que me mata, o facto de deixares tanto em ti por mim... quando eu não o mereço, quando nem sequer sabes quem sou.

Sem saberes matas-me os dias, o ser, a alma... porque por muito que ame, não posso estar contigo, estar à tua beira, no mesmo espaço. Sinto a alma a ser arrancada da carne quando me beijas. Tenho que voltar para dentro e partir, longe, um sítio em que jamais me possas descobrir, uma torre de marfim incansável. Tu não o mereces, nem eu... nenhum de nós merecia, mas foi isto que escolhemos. Escolhemos como destino, como supremo fado nas mãos de um deus ex machina. Diz-me quem somos, porque eu desconheço, como serás realmente, sem mim... feliz como uma criança a viver a vida dos teus sonhos, sem mim... porque os meus sonhos não podem ser partilhados, é muito fácil desistir de tudo pelos sonhos. Não por aqueles que vemos durante o dia, mas por aqueles que vivemos quando dormimos, quando eu dormia ao teu lado e que belo que era sonhar, com tudo.

Deitava-me tarde, muito depois de ti, na mesma cama, não por não querer sentir o teu corpo, mas porque tinha medo dos meus sonhos, daquilo que via e chamava pela alma selvagem. Foi isso que me fez partir. Peguei numa pena, molhei-a em tinta negra e escrevi na parede:

"Talvez noutra vida... talvez noutro espaço, haja duas pessoas tal como nós, apaixonadas como nós que podem viver a vida como querem. Mas não aqui, não... não por ti, mas sim por mim. Porque eu mergulhei demasiado fundo no mar dos sonhos, porque estou viciado naquilo que crio... matas-me! Carinhosamente, mas é o que fazes. Sempre que me amas deixas em mim, tudo aquilo que és e eu não posso receber tudo isso, não posso pegar nos pedaços que me deixas e fazer de ti uma pessoa, que não sei quem é, pois sempre a conheci a viver por uma pessoa que a enganou... eu. Não com outras mulheres, não com outros pensamentos, mas com a vontade de partir, com a vontade de estar contigo apenas porque sabia o que me darias, darias-me... tu! A mulher que agora repousa, já não existe. Não pode existir, porque perdeu-se num homem que é incapaz de amar, de viver e apenas de sonhar. Perdi-te quando te conquistei. Devolvo-te agora a vida ao abandonar tudo aquilo que me dês-te. Ao deixar-te ser... livre! Pois daqui em diante eu morrerei, não me voltarás a ver, porque eu também deixo de existir...

Talvez numa outra vida, em que não fossemos fantasmas um do outro...."

Nesse momento tudo fez sentido, finalmente percebia... que eu não era Deus decidindo a vida de outra pessoa, eu era essa pessoa... no fim, tu nunca tinhas existido e estava a sonhar, sozinho, deitado na cama numa noite quente de final de Verão. Tudo nunca havias existido para além de mim, tudo isto era eu... fantasma de próprio da vida.