Tuesday, January 23, 2007

Vozes de espelho

Estava frio, uma manhã de nevoeiro, que transformava os altos e frondosos plátanos em nada mais que sombras. No centro da praça, encontrava-se como sempre uma estátua ladeada por todos os lados por um espelho de água. Hoje, tal era o frio, os repuxos á volta da estátua não corriam. A água tinha gelado nos canos, ouviu o senhor ao lado dizer. Penso que ele ainda se perguntava qual teria sido a sua verdadeira razão, para ter acordado tão cedo e ter que se deparar com um cenário gélido como aquele. Contudo, o ambiente vivido para cá das paredes de vidro era algo diferente, o ar condicionado não tinha descanço e sistemáticamente bombeava carradas de ar quente para o café. Podia-se dizer que era um local agradável para se estar. Normalmente aquela hora da manhã a praça é um local movimentado, hoje poucas são as pessoas que se aventuram em tal local inóspito e pouco convidativo. As que caminhavam lá fora, encolhiam-se sobre si, tentando criar na vaga esperança um pouco de calor, como era óbvio o calor que criavam sobre si era logo expelido e fundia-se com o nevoeiro, criava assim uma outra nuvem para além do nevoeiro. Ajudava a tornar o ar mais espesso e menos visivel. Estas mesmas pessoas que caminhavam lá fora, ou a sombra delas, chegava a um certo ponto e desapareciam. Ainda se conseguia ver nitidamente os varões a meio do passeio, mesmo em frente ao pricipal portão da praça, agora escancaradamente aberto, por esses varões as pessoas enterravam-se no chão sempre muito a direito até terem desaparecido no sub-terrâneo.

Conheço bem Slobodan Vjele, sabia que ao olhar para aquele espectáculo pouco chamativo ele tentava ganhar coragem, para se aventurar naquele deserto humano. Já tinham ido dois cigarros e se uma ponta de coragem não aparece-se tornava-se quase irrecusável a matança de outra mortalha de tabaco. Passados alguns cinco minutos Vjele tinha acabado de fumar o terceiro cigarro, torneou melhor o cachecol á volta do pescoço, ageitou o espesso sobretudo para que lhe ficasse tal armadura contra o ar gélido. Foi subindo os degraus, abriu a porta que dava acesso á rua e tal como instinto foi obrigado a dizer:
-´Dasse lá para este país.
Começou a caminhar em largas passadas rumo á Rua da Constituição, virou a esquina e não prestava grande atenção ao que se passava á sua volta. Concentrava-se no chão, seguia as linhas marcadas no cimento e perguntava-se a ele próprio que delirio lhe tinha dado quando escolhera Portugal como país de emigração. Contudo Slobodan não era como a maioria dos seus colegas dos balcãs, Slobodan tinha posses era analista de relações internacionais que tinha sido mandado pela embaixada da Sérvia, nos tempos livres escrevia e na sua conta pessoal já contava com um número considerável de best-sellers na Europa. Como era lógico dava mais tempo á escrita do que ás relações da Sérvia com este país do Atlântico norte.

Chegou a casa, a mulher e a sua criânça ainda dormiam em paz e ele como era seu hábito acendeu mais um cigarro, aterrou de seguida no sofá da sala, estendeu as pernas em cima da mesa de vidro, já por si suficientemente carregada de revistas e rabiscos do filho. Ainda era cedo e não tinha muito que fazer, pensou que talvez fosse uma ideia interessante se começasse a escrever um e-mail ao consulado Sérvio, Belgrado a esta hora já á muito que estava acordado e com certeza que o espirito citadino corria nas veias da cidade. Começou a digitar as letras, uma a uma iam surgindo no ecrã, não conseguio escrever muito, deixou-se caír para trás no cadeirão de pele, adormeceu. Não era preciso Slobodan dizer-me, mas tanto eu como ele sabiamos que o seu casamento estava por um fio, talvez só ainda se mantive-se casado devido ao amor incondicional que os pais têm pelos filhos, pensava que o seu filho não merecia uma separação tão cedo. Tinha passado a noite fora de casa, segui-o para onde quer que ele tenha ido, viu a entrar em todos os becos da cidade, viu a satisfazer os prazeres carnais com umas quantas prostitutas e pela calada da noite esgueirava-se dos quartos com o seu ar de muito senhor. Posso dizer que sempre gostei dele, desde que o conheço. O seu metro e noventa são deveras impressionantes e por baixo de todo aquele porte atlético de fazer inveja a muitos atlétas profissionais escondia-se uma personalidade igualmente merecedora de respeito. Não que tenha muito mais a dizer sobre Vjele, pode ser que vos mantenha ao corrente da vida dele, se assim for o vosso desejo

5 comments:

Anonymous said...

Muito giro o texto ,continua :D!

beijO

Anonymous said...

Adorei do pormenor de tu, enquanto narrador, não te limitares a contar a história do alto de uma torre de marfim, mas antes te envolveres com o personagem. Lembra-me o estilo do Saramago.

Gostei também da sensação de sentimentos turvos e personalidades confusas que conseguiste transmitir com a introdução e que depois se relacionam com a personagem.

Passa só o texto pelo Word para corrigires alguns erros ortográficos.

João Fernandes said...

Bem, isto algum dia teria que ser esclarecido. Eu normalmente quando escrevo aqui escrevo o que me vem á cabeça e como tal por vezes surgem erros. Estes erros normalmente acentuam-se quando escrevemos e nem olhamos para o teclado a digitar a velocidades super-sónicas.
Mas agora falando um bocadinho mais de consciência, eu sou culpado pelos erros, porque muito simplesmente sou preguiçoso o suficiente para não rever os textos antes de os publicar. E então lá surgem umas calinadas ortográficas graves, dignas de putos de terceiro ano. Tudo porque não revejo os textos, sou simplesmente demasiado preguiçoso para tal.
Abraço a todos que por aqui passam.

Anonymous said...

Porque é que não mudas para Firefox?

A nova versão tem um corrector ortográfico "à la Word" integrado. As palavras com erro aparecem sublinhadas.

Eu achei muito prático tanto para o blog como para foruns e afins.

João Fernandes said...

Isso é uma pergunta a que me pergunto constantemente, porque não o firefox? Já o tive instalado, mas quando ia a postar um artigo aqui no blog não me lembrava da pass, voltei ao IE. Entretanto não o voltei a instalar pelo simples motivo que sou um preguiçoso do caraças. lol