Saturday, April 04, 2009

Evangelho Segundo: Reflexos de sonhos

Uma pomba voa no ar, no nosso pensamento bate as asas ao ritmo em que as conchas brancas como o marfim se vão soltando da minha mão. As penas caíem como uma chuva de salvação que nos limpará do que somos. Atiro os ossos para a mesa e forma-se uma constelação de conchas e ossos, brancos e salvos. Que sabor é este? Ah, o sabor dos lábios cortados, do sangue que passa por entre os dentes, o som do vento que me circunda, a luz fraca das velas que me protege do escuro. O frasco do veneno, vou-lhe chegar um fósforo, vai arder com o conhecimento, com o matrix que passei a ver. Olho para o espelho, a imagem distorcidamente perfeita do que sou, da realidade que o tempo e o espaço ocultam, é uma outra realidade, uma outra mentira. Olho penetrantemente nos meus próprios olhos, vejo o sangue a escorrer por entre os dentes, vejo a chama vermelha que arde, o veneno que se evapora numa nuvem tóxica de fumo, os ossos, as conchas, as penas perfeitamente brancas. É uma realidade diferente, uma criação perfeita de uma bola de cristal. Os sonhos que desaparecem e com eles nasce este matrix sufocante. Os sonhos, que perderam cor até se tornarem a preto e branco, até nada serem senão mentiras perfeitamente criadas pela minha mente.

Uma explosão, rio, porque o sonho tornou-se realidade. Um extâse da realidade que a ninguém pertence, sou o que vejo do mundo, sou o que o espelho partido me deixa ver, deixei de ser o que fizeram de mim. Mas, os sonhos, esses perderam-se a partir do momento em que a cara ficou enterrada na areia, em que os cabelos foram acariciados pela espuma da água, em que o corpo inerte foi perdido por entre a marcação das vidas separadas. O pôr do sol só me conquistou pela beleza com que me perdeu por entre a imensidão do desconhecido, até desaparecer, até ficar escuro e finalmente até sonhar a preto e branco. O silêncio, ouves o vento perscrutar por entre as cearas douradas pelo corpo, pelo meu corpo, onde estarei? Oh, estou a dormir, ligado ao matrix do qual nunca escaparei. Sei demasiado, e com o conhecimento estou destinado a percorrer o caminho que eu construo. A realidade reflectida pelo espelho é a real, é a com a qual me regozijo e com a qual me auto-destruo. Chorarei lágrimas de sangre, quando vejo o que mais ninguém vê, é o poder que um só homem carrega, um poder sobre-humano que ninguém deveria de conhecer.

Vês a realidade do matrix, o que os outros são e nem sabem, o que os outros sabem, os segredos mais profundos e os seus pontos fracos. O futuro tal como ele era morreu, um maravilhoso mundo nasce aos nossos olhos, em que as flores morrem e depois nascem, em que os guerreiros choram as perdas e os anjos lutam, em que os sonhos são a realidade e em que a realidade são os sonhos, os espelhos são o real e tu és um reflexo, o sangue escorre e depois volta a fechar-se sobre ti, em que os mortos falam e te contam os seus segredos, pedem-te para os matares, já não aguentam mais e fazem-te levar à loucura.

Aaah, o sangue a percorrer os lábios, um sorriso, os olhos aguçados fecham-se, os punhos cerram-se e perdes-te a mente, perdes-te a realidade, deixas-te de ser o que os outros fizeram de ti. Sou livre! O impacto do corpo que se arranca a uma velocidade vertiginosa do chão das cearas, que acelera por entre a escuridão da profundidade, os sonhos a preto e branco, o matrix é real, um vortex transcendental que te eleva à categoria de deus, somos expulsos da profundidade das espumas oceânicas e somos projectados até ao ar, pairamos. Um grito, aliás um rugido enorme é expulso da minha boca e percorre o ar. Levitamos no ar. Encontro-me no paralax da existência, o corpo treme, sou cuspido, volto inerte á beira mar, regresso a estar em frente ao espelho e este reconstroí-se. Agora vejo quem sou, bebo o veneno e sei quem sou, não o que me fizeram, mas o que sou na profundidade do matrix, dos sonhos a preto e branco e do reflexo do espelho.

"Nós somos aquilo que queremos ser, não o que fizeram de nós, aquilo com que sonhamos transporta-nos a realidades inatingiveis" - Edward Kariansky

1 comment:

Joana said...

A ouvir muito 'pouco' a Dream of Mirrors. Esse texto faz-me ter medo de ti hahah
Frase perfeita para ti enquanto escrevias o texto? : Something makes me feel that I have lost my mind :D

E já que estamos numa de 'Reflexos de sonhos' ... Scared to fall asleep and dream the dream again.
Fica a ter critério interpretares isso.
Já agra os teus texto nao combinam cntg --' qualquer dia vais divagar cmg um tema assim parecido. Num daqueles dias de nao diversão à tua maneira.