O vidro embaciava constantemente, a visão da estrada não era das melhores. Agora a planicie começava a desaparecer atrás deles, começavam a surgir algumas colinas que obviamente teriam que recortar. Sinceramente, no momento em que os observava, não me deram um prazer especial, não falavam, o que fazia com que fosse perdendo o interesse naquela visão a cada segundo que passasse. Tinha uma atenção especial nela, era bonita, tinha uns cabelos castanho-claro, algumas rastas pediam-lhe pela cabeça abaixo e apresentava um rosto bastante simpático. Ele para além da barba por fazer apresentava um aspecto um tanto desmanzelado, o que me fez perguntar o que andava uma rapariga como ela a fazer no mesmo carro que ele.
Ela finalmente acordou no momento em que iniciavam o percurso entre as montanhas rochosas, que não davam sinais de qualquer forma de vida ali existente. De um lado era a rocha sólida e concreta, do seu lado esquerdo pendia o precipicio que se unia com a planície lá em baixo. Quando ela acordou pude reparar, que a beleza que parecia ostentar era de facto veridica e não um truque furtuíto do meu sono. Endireitou-se no banco, enroscou-se mais um pouco no cobertor velho. Daquele ponto alto podia-se começar a vislumbrar os primeiros raios solares do novo dia. Não falavam, apenas escutavam a música que saía das colunas do carro. Era música jazz, se não estou a caír na tentação do erro, mas pareceu-me que também surgia por aqui e por ali uns sons mais emos.
Finalmente falaram:
-Dormis-te bem? - perguntou ele, com uma voz que mostrava a clara carência de horas de sono.
Ela mais não fez se não afirmar com a cabeça um sim e proferir entre lábios cerrados um "hm hm".
-Ainda falta bastante para a viagem acabar, do ponto do mid-west de que viemos até Los Angles ainda é um bom bocado. - Suspirou, e olhou para o ponteiro que marcava a gasolina ainda disponível e então prosseguio. - Umas três horas.
Ela não respondeu, ele que como já o referi, parecia evidentemente tocado pelo sono, também não fez por dar continuação á conversa. Passou mais umas poucas música na rádio, o sol neste momento já ia alto, ela acendeu um cigarro e o carro depressa ficou absorto dentro de todo o fumo expelido pelo tabaco a ser queimado.
-Porque estás a fazer isto?
-A fazer isto o quê? - perguntou ele
- Esta conversa de ocasião, sabes bem que não quero falar contigo e só continuo aqui até chegarmos a L.A.
-É esse o prémio que me dás por estar a conduzir á 14 horas e ter levado de uma ponta até há outra do país? Grande consideração.
-Ouve! Eu não me interesso mais por ti, só não saío aqui porque estamos no meio do nada. - disse isto aos gritos. - Vê se te calas e não voltes a falar comigo.
-Na próxima estação de serviço deixo-te lá.
Ele durante toda a conversa, se assim lhe podemos chamar continuou calmo ao contrário dela, o que pela minha parte só veio demonstrar o seu mau génio.
Depois desta frase, a conversa e as próprias acções descontrolaram-se. Não consegui perceber grande coisa, ela começou a gritar com ele, ele perdeu toda a calma e a frustração de ter perdido a namorada numa viagem daquelas veio ao de cima. Não consegui perceber mais nada, o som do rádio foi completamente abafado pelos gritos e não tardou a que ela começa-se a empurrá-lo. Ele tirou os olhos da estrada, conduzia com uma só mão, enquanto gritava e tentava arrancar a mão dela que agarra o seu braço. O cenário de uma manhã calma no meio do deserto foi interrompido por todo este caos, o cigarro queimava o tapete do carro e já nada percebia do que diziam. O carro aumentava a velocidade gradualmente, as vozes faziam parte da música e á frente apresentava-se uma curva, ele não dava sinais de parar. O que ouvi a seguir não foi mais se não o som de um carro que deslizava pelo precipicio abaixo até finalmente a chapa velha colidir com o chão de areia
Fim
1 comment:
Pois é, por vezes acordamos e tudo esta bem..ou se calhar nao temos bem a noçao...mas quando nos apercebemos da realidade é bem mais dificil lidar com ela!
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